Caderno de Resumos
Sessão 1 — quarta-feira,
08/10, 11h30 às 13h, sala 205 (Prédio de aulas).
o
Diásporas, oralidade, escrita e leitura em
cultos de matriz africana no Brasil — Rafael
José dos Santos.
Este
trabalho trata da introdução de registros escritos e da literatura religiosa
nos cultos de matriz africana no Brasil. Em sua origem, a religiosidade de
matriz africana e seus saberes, estavam associados à tradição oral transmitida
dentro dos terreiros. Os saberes, ou, para usar uma categoria êmica, os fundamentos, abrangem domínios diversos:
as ervas e suas utilizações, as narrativas mitológicas, os toques de atabaque,
as cantigas, as cores relativas a cada divindade, a culinária ritualística,
regras de conduta e de como movimentar-se no território de culto. Os fundamentos
constituem um complexo conjunto de conhecimentos que passaram (e passam) por
processos de significação e ressignificação devido às hibridações,
desterritorializações e reterritorializações motivadas pelos processos de
contatos interculturais, desde aqueles no próprio continente africano, passando
pela diáspora promovida pelo tráfico escravagista, pelas migrações de membros
dos cultos no interior do Brasil e, contemporaneamente, pela intensificação de
viagens de sacerdotes entre o Brasil e a Costa Ocidental africana. Os fundamentos, originariamente transmitidos apenas pela
oralidade associada à prática cotidiana, passaram, no decorrer do século XX,
também ao registro escrito. O interesse de folcloristas e antropólogos pela
religiosidade de matriz de matriz africana deu origem a trabalhos que passaram
a circular também no meio religioso. Além disso, com o avanço da modernização,
muitos adeptos recorreram ao registro dos fundamentos em cadernos como recurso
mnemônico. Com a expansão e segmentação da indústria editorial, surgiram os
manuais de divulgação produzidos por intelectuais não acadêmicos ligados aos
cultos. Contemporaneamente, os diferentes conhecimentos religiosos de
matriz africana circulam também em sites e blogs na Internet. Os registros
escritos, contudo, não substituíram por completo o aprendizado dos adeptos
através da transmissão oral e da prática ritual, modalidades compreendidas como
de maior legitimidade no universo religioso de matriz africana.
o
A infância e seus traumas em António Lobo
Antunes — Paula Renata Lucas Collares.
A infância é uma temática
muito recorrente na obra de António Lobo Antunes. A crítica mais especializada
aponta que a sua narração se articula através de três eixos temáticos: a
guerra, a loucura e a infância. É possível dizer que infância aparece, desde o
seu primeiro romance Memória de elefante (1979)
até o último Não é meia noite quem quer (2012),
como um espaço problemático quase sempre evocado através de uma memória
repetitiva e repleta de lacunas, mas nunca recuperado em sua totalidade. Se
realmente não há uma infância alegre, mas a sua recordação pode ser triste ou
alegre, Lobo Antunes mostra que esse contar é sempre um invento e por isso está
muito além do que de fato aconteceu. Diante de uma memória cheia de lacunas, em
que não se sabe se os acontecimentos são verídicos, a própria organização do
tempo da narrativa é fragmentada. Dessa forma, os momentos recordados são
sempre selecionados mesmo que a nossa recordação do passado seja sempre parcial. Este estudo pretende mostrar como a memória,
como temática e procedimento narrativo, (des)organiza através da linguagem
tempos vividos, imaginados e inventados. Principalmente, considerando que a
memória em Lobo Antunes recupera insistentemente uma infância repleta de
traumas. Os traumas vivenciados na infância acompanham as personagens
ocasionado-lhes uma série de inadaptações. Uma infância sofredora que se traduz
em uma personagem inadaptada e extremamente solitária.
o
História & ficção: articulação da
memória individual e coletiva em As Naus, de António Lobo Antunes — Neiva Kampff Garcia.
A obra antuniana, As naus,
editada em 1988, formaliza na ficção um contragolpe na narrativa histórica,
atualizando a memória individual e coletiva sob o discurso paródico. A
desconstrução de mitos históricos portugueses se faz pelo viés do retorno e da
humanização desses seres, enquanto a sua nova existência se dá através da
vocalização metafórica de elementos que vivenciaram o retorno do glorioso
império de além-mar à capital do reino: Lixboa. Existem dois níveis de
representação nesse livro: a construção histórica passada e veiculada como
verdade e a construção subjacente, um verdadeiro circo dos enjeitados,
credibilizada pela narrativa ficcional da atualidade. A História desfaz-se na
sua construção artificial enquanto a Ficção reconstrói parodicamente as
grandiosas figuras históricas. Por outro lado, os tempos presente e passado
dialogam através das metáforas que interpretam livre e criticamente o pano de
fundo histórico, frente ao qual se movem e atuam as personagens. Movência,
desconstrução, memória, mito, historiografia oficial, metaficção e
pós-modernismo são termos que traduzem a arquitetura desse romance de Lobo
Antunes e que fundamentam nosso trabalho. Considerando que o autor, desde a sua
trilogia inicial — Memória de elefante
(1979), Os cus de Judas (1979) e Conhecimento do inferno (1980) —, insere
várias de suas obras no viés autobiográfico, na autoficção e na escrita de
testemunho, intentamos analisar As naus
sob essas vertentes, de modo a dialogar com as propostas teóricas de George
Gusdorf e Philippe Lejeune, bem como de Stuart Hall e Linda Hutcheon,
acompanhando, exemplarmente, a perspectiva crítica dos estudiosos portugueses
Maria Alzira Seixo, Ana Paula Arnaut e Carlos Reis, cuja produção bibliográfica
engloba importantes estudos sobre o escritor.
o
Entre “fazer-se”
autor e personagem: o ateliê da escrita de Lobo Antunes —
Tatiana Prevedello.
Pensar o processo criativo que caracteriza o trabalho ficcional de
António Lobo Antunes, desde o princípio de suas publicações romanescas, supõe
entender alguns métodos que o autor utiliza para coordenar a fabulação dos
enredos que emergem das páginas de seus livros, além da técnica que envolve a
concepção das personagens que, muitas vezes, à medida que as histórias se
desenvolvem, desejam mostrar que estão a serviço da escrita. As personagens, à
proporção que se fixam no texto como sujeitos ficcionais, também se apresentam
como autoras do seu próprio discurso. Nesse ponto, se torna visível a dicotomia
entre as personagens que se reconhecem como autoras da história, e o autor, que
se anuncia na narrativa projetado como personagem onisciente. Há a perspectiva
da escrita in progress, tecida pelas
refrações da memória sobre um trabalho que possui muita convicção referente ao
seu fazer narrativo. Os textos se mostram finalizados não porque as histórias
estão concluídas, mas pela conveniência da conformação do objeto livro, que
precisa ser fechado, enquanto o enredo, assim como a vida, foge às regras e
limitações. A escrita de António Lobo Antunes
apresenta como uma de suas características peculiares a explicitação sobre o
fazer narrativo e, consequentemente, traz para o cerne do texto a discussão
sobre a poética ficcional. Nesse âmbito, ao nos voltarmos para os romances Eu hei-de amar uma pedra e Ontem não te vi em Babilónia, sobretudo,desejamos
analisar alguns pontos que subjazem ao trabalho artístico do referido autor: o
processo de criação literária, no qual se modela a elaboração de um livro; as “ferramentas”
que compõem o seu ateliê artístico; e a dicotomia que se estabelece na relação
entre autor e personagem, a considerar que ambos, nessa relação dialética, ao
serem projetados no texto ocupam-se em discutir os limites e estratégias de
ficcionalização da realidade.
Sessão 2 — quarta-feira,
08/10, 11h30 às 13h, sala 217 (Prédio de aulas).
o
No meu fim está meu começo: narrativas
pós-apocalípticas e a fundação da sociedade — Pedro Mandagará.
Compreender
a relação com o Outro, seja este lugar ocupado por outra cultura, outra pessoa
ou um outro não-humano, é uma das tarefas centrais da política contemporânea,
uma tarefa na qual, segundo filósofos como Martha Nussbaum (1995), a literatura
pode ter um papel fundamental. Em tempos de tantas catástrofes, humanas e
ecológicas, investigar as bases de novos tipos de solidariedade pode ser uma
estratégia de sobrevivência para os tempos vindouros. A destruição da sociedade
e do Estado encenada em narrativas pós-apocalípticas leva os personagens
sobreviventes ao Estado de Natureza. Essas narrativas revelam uma visão do que
há por trás da sociedade, do que está no fundamento das relações sociais, do
que resta se a coerção do Estado é retirada. São, portanto, uma fantasia
política — e, ainda, uma fantasia ética, já que neste momento final (ou
originário) ética e política estão juntas. Sem Estado, as relações entre
indivíduos, campo de reflexão da ética, são o que há de política. A questão dos
direitos, tanto dos direitos humanos quanto dos direitos do não-humano, é
central nessa reflexão. Se existirem direitos humanos fundamentais, eles devem
fundamentar uma vida ética mesmo no Estado de Natureza. Se existirem direitos
do não-humano — dos animais, ou da “Natureza” — eles também devem se refletir
nessa situação extrema. Porém, se, como defendem Slavoj Zizek (2005) e Alain
Badiou (1995), não há direitos humanos fundamentais e universais, como se
fundamenta um agir ético? Ou, se esses direitos existem, qual o limite do
humano? Existe um papel de desumanização, de redução do Outro ao não-humano,
envolvido no processo político? A partir de duas narrativas pós-apocalípticas —
Oryx and Crake (2003), de Margaret
Atwood, e The Road (2006), de Cormac
McCarthy — este trabalho procura investigar as condições de refundação da
sociedade em novos termos, isto é, como estes romances são também uma reflexão
ético-política.
o
As relações fraternas e as ressignificações
do humano no mundo distópico — Caroline
Valada Becker.
O
cenário é semelhante: não mais há energia elétrica, não mais há o sistema
capitalista do ocidente, não mais há a organização social como a conhecemos — a
lógica do trabalho, do consumo e da propriedade —, não mais há estabilidade ou
segurança. Essa descrição esboça o universo distópico apresentado em duas
narrativas pós-apocalípticas, especificamente um romance e uma graphic novel — A estrada, de Cormac Mccarthy, e The walking dead, do roteirista Robert Kirkman. Nesta narrativa
híbrida, lemos o apocalipse zumbi; naquele romance contemporâneo, encontramos o
(inexplicado) caos da natureza. Em ambas as narrativas, a relação fraterna
entre pai e filho, resquícios da composição familiar e amorosa, está tematizada
e atravessada pela lógica desse novo mundo. Tais personagens, experienciando as
novas regras sociais, buscam sobreviver e, dessa forma, ressignificam a
condição humana — afinal, o ambiente está diferente, bem como as atividades
exercidas pelo ser humano são outras. Para Hannah Arendt (2007), o humano é
definido como uma condição incitada por três eixos essenciais, o labor, o
trabalho e a ação. Partindo desse estudo ancorado na literatura comparada —
cuja proposta coloca em diálogo dois gêneros artísticos —, podemos questionar:
em um mundo pós-apocalíptico, tais definições ainda são pertinentes? Nas obras
ficcionais referidas, o que define a condição humana, representada por meio da
relação entre pai e filho? Segundo Rafaella Bacolini e Tom Moylan, no livro Dark horizons: science fiction and the
dystopian imagination (2003), a
imaginação distópica, apresentada nas criações estéticas, é um meio profético
que indica preocupações éticas e políticas (e eu acrescento, ecológicas) do
mundo contemporâneo ao autor. Sendo assim, além de analisar a poética da
destruição delineada nas obras selecionadas, este artigo pretende verificar, a
partir da figuração das personagens, a ressignificação do conceito de humano,
em especial, este questionamento: qual legado — isto é, quais ensinamentos — os
pais desejam deixar para seus filhos.
o
Traduções haraganas: o Outro castelhano nas
edições brasileiras de María Luísa Bombal e Mario Arregui — Andrea Cristiane Kahmann.
Conforme
Lya Wyler, no Brasil, 80% dos livros de prosa, poesia e referência, bem como
manuais e catálogos, são traduzidos. Apesar disso, impera a invisibilidade do
tradutor e dificuldade de se obter informações sobre
os processos de tradução e as estratégias de mercado que impactam na escolha da
obra a traduzir e na recepção da tradução. Portanto, ao se discutir os espaços
teóricos, capitais, valores e práticas que constituem esferas de influência,
domínio e resistência, os estudos de tradução vêm contribuir com reflexões
imprescindíveis ao analisar os limites da negociação, dos mecanismos de
controle e do falar por Outro. Nesse
viés, deve-se recordar Spivak e o imperativo ético da impossibilidade de falar por e a necessária consciência da
violência epistêmica implícita no próprio ato de traduzir. Venuti alerta que
não existem estudos de tradução sem uma teoria da heterogeneidade da língua e
da sua relação com valores culturais e políticos. E, assim, a análise das
estratégias de assimilação e ruptura com as diferenças culturais deve
considerar as tensões ideológicas por detrás da própria tradução da literatura
e as dimensões éticas do fazer tradutório, conforme postulados de Berman. Neste
trabalho, propõe-se a análise de duas obras traduzidas ao português brasileiro
e que seguem caminhos diferentes quanto às estratégias de tradução.
Primeiramente, será abordada a edição A
última névoa, que engloba duas novelas de autoria da chilena María Luísa
Bombal, em tradução de Laura Janina Hosiasson publicada pela editora Cosac
Naify, em 2013. Após, Cavalos do
amanhecer, livros de contos do uruguaio Mario Arregui em tradução de Sergio
Faraco publicada pela editora L&PM, em 2003. Ambas obras seguem distintas
estratégias de escolhas — lexicais, políticas e editorias — e deixam entrever a
questão: num país de tanta tradução, por que a língua espanhola e o Outro
castelhano são, ainda, tabus?
o
A ética de falar da dor do outro: uma
reflexão — Vivian Nickel.
Se
é verdade que uma geração — ou mesmo, diversas gerações — emudecida pelo choque
só se liberta dos fantasmas que a assombra, por conta da “história impossível”
que carrega consigo, no momento em que consegue narrar a si mesmo, transformar
sua experiência em linguagem, também é verdadeira a ideia de que esse processo
envolve aprendizagem. Pois se existe ainda alguma chance de sobrevida para o
narrador, a despeito do que tenha dito Benjamin, esse narrador tem de aprender a
lidar com novas formas de contar. Na medida em que sua história extrapola os
limites da narrativa clássica, linear; mais grave ainda, na medida em que sua
história resiste a toda tentativa de integração à linguagem, exige-se dele
também que busque novas formas de contar a si próprio. A tarefa de dar sentido
a essa “história impossível”, de inseri-la no campo simbólico, demanda do
narrador um esforço contínuo, uma luta contínua frente a linguagem. É preciso,
como afirma Marcio Seligmann-Silva, promover um engajamento numa nova ética
narrativa que reconheça, entre outros aspectos, a impossibilidade do ideal de
domínio total do passado. A nova ética exigida por esse encontro diz menos
respeito à renovação das estruturas de um discurso especificamente histórico do
que à inclusão de outras formas de conhecimento, como a literatura, na árdua
tarefa de reconstruir um passado tão inacessível. Esse trabalho propõe uma
discussão acerca do modo como a estética das
narrativas pode contribuir para o envolvimento do leitor no processo de
elaboração da dor do outro e dos dilemas éticos que podem surgir para os
escritores no momento em que estes assumem tal empreitada no campo da ficção.
Sessão 3 — quarta-feira,
08/10, 16h30 às 18h, sala 205 (Prédio de aulas).
o
O lugar da memória
colonial entre romances, relatórios, mapas, mosaicos, jornais, anotações
de um caderno, oralidade dos musseques e outras ficções verdadeiras —
Gustavo Henrique Rückert.
Vinculado
a um projeto de maior abrangência que pretende analisar a apropriação do gênero
romanesco como estratégia do discurso pós-colonial em Portugal e Angola, o
presente trabalho tem como objetivo estudar o espaço da memória colonial em
ambas as literaturas. Para pensar o espaço, toma-se como ponto de partida as
reflexões acerca da fronteira traçadas por Homi Bhabha em O local da cultura. Assim, os romances Partes de África, de Helder Macedo, português nascido na antiga
colônia de Cabo Verde, e Nosso musseque,
de Luandino Vieira, angolano nascido na antiga metrópole, configuram espaços
híbridos para a escritura das memórias coloniais. Simultaneamente dentro e fora
de um sistema colonial, essas memórias encontram espaço para a sua
escrivivência a partir da zona intervalar entre as culturas do colonizador e do
colonizado, sendo grafadas a partir do entre-lugar da ficção e da realidade, da
literatura e da história, da autobiografia imaginada de um eu e da imaginação
factual sobre o outro, do romance e dos relatórios, mapas, mosaicos, jornais,
anotações, conversas informais e tantos outros gêneros que (de)compõem as
referidas obras de Helder e de Luandino.
o
Uma leitura sobre as memórias de diásporas em
Becos da Memória de Conceição Evaristo — Kátia Marlowa Bianchi Ferreira Pessoa e Maria Cândida M. Pereira.
Este
trabalho tem como objetivo destacar o sentimento dos personagens de Becos da
Memória ao saber que precisam deixar a favela que é o lar de todos, apesar da
pobreza e da falta de estrutura, como água encanada e saneamento básico. No
decorrer da narrativa, constata-se que nenhum dos personagens pretende
abandoná-la, uma vez que não têm para onde ir e ainda estão presos em seus
laços de amizade, permanecendo ali até a intimação da companhia. A obra retrata
o sofrimento daqueles, marcado pela tristeza da perda do lugar em que vivem e da
incerteza do amanhã. Tudo está estampado por meio das memórias de uma
personagem, a menina Maria-Nova, cujas lembranças se juntam às memórias de
outros moradores. Assim, é possível afirmar que o texto de Conceição Evaristo
apresenta características memorialistas do começo ao fim, pois os fatos
relatados pelos personagens não possuem uma sequência lógica. Eles são expostos
ao leitor aos pedaços, recortados entre as memórias de outros personagens, como
por exemplo: a narrativa inicia com Maria-Nova falando de Vó Rita e a Outra,
passando para Tio Totó e suas lembranças familiares e sucessivamente a outros
personagens. Por outro lado, observa-se que as memórias são assinaladas pela
diáspora que se repete ao longo da narrativa, principalmente na família de Maria-Nova,
a começar por Tio Totó. O texto de Conceição Evaristo apresenta, de acordo com
a minha leitura, marcas do movimento da diáspora que ocorre três vezes: a vinda involuntária da África dos
ancestrais, a migração da família de Tio Totó do campo para a cidade e a saída
da favela.
o
Quando a pátria é a terra dos outros: a
desterritorialização nos contos “O elevador” e “Os marginais”, de João Melo — Rejane Seitenfuss Gehlen.
Analisar o processo de deslocamento que remete à
desterritorialização e à necessidade de afirmação da identidade num espaço
marcado pela homogeneização dos indivíduos é um dos intentos deste artigo.
Assim sendo, o leitmotiv do estudo é
a problematização da questão identitária no contexto de Angola no período da
distopia e na atualidade. Através dos contos “O elevador”, da obra Filhos da Pátria e da narrativa “Os
marginais” da obra homônima, ambas do escritor João Melo, pretendo caracterizar
a pátria angolana representada como lugar de passagem, no qual as raízes
culturais conflituam com os valores da nova nação. As personagens recorrem à
memória para desencadear o processo de reterritorialização no próprio
território angolano, problematizando o espaço enquanto locus de pertencimento a
partir das questões da identidade e diferença lidas à luz dos ensinamentos de
Homi Bhabha, Paul Ricoeur, Stuart Hall,
Gaston Bachelard, Guattari e Deleuze. O
estudo visa ao entendimento de que
território é um espaço que se
movimenta e fixa sobre um espaço geográfico, mas nem todo espaço geográfico é
um território, porque para tal é preciso que haja o pertencimento, a vida que o
ocupa o local físico precisa dar-lhe contornos que o singularizam. O movimento
decorrente desta situação é que obriga as personagens analisadas a se
constituírem sujeitos num espaço que não percebem mais como território e assim
o reconhecimento do eu, tanto no plano individual quanto coletivo, constitui-se
em atitude de resistência ao etnocentrismo e valores coloniais ainda presentes
na Angola contemporânea.
o
Imigração, reterritorialização e memória em
Abla Farhoud e Salim Miguel — Luciana
Rassier.
No âmbito do VI Colóquio de Literatura Comparada da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (tema: Espaço/Espaços), eixo temático: Espaço — diáspora — memória, o presente trabalho propõe uma análise da articulação
entre memória,espaço e figurações identitárias em dois romances que narram a
saga familiar de imigrantes libaneses. De um lado, Le bonheur à la peau glissante (Montreal: Les Éditions de
l’Hexagone, 1998 — Prix Philippe-Rossillon), da romancista e dramaturga
líbano-canadense Abla Farhoud, conta, a partir da perspectiva da matriarca
Dounia, a vida de uma família que se instala no Canadá, em Montreal. De outro
lado, Nur na escuridão (Rio de
Janeiro: Topbooks, 1999 — Prêmio Zaffari-Bourbon, Prêmio da Associação Paulista
de Críticos de Arte), do romancista e jornalista líbano-brasileiro Salim
Miguel, retraça, em grande parte graças à lembrança do patriarca Yussef, a
instalação de uma família no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. Em que
medida essas narrativas se constituem em locus
de memorias individuais e coletivas? Que papel esses romances atribuem às
lembranças e ao esquecimento? Quais são as "feridas identitárias"
(utilizo a expressão calcada pelo franco-libanês Amin Maalouf) da primeira e da
segunda geração de imigrantes no processo de reterritorialização? Tais são as
linhas que guiarão as reflexões que proponho desenvolver, amparada
principalmente nos trabalhos teóricos de Bertrand Gervais (La ligne brisée: labyrinthe, oubli et violence. Montreal: Le
Quartanier, 2008), Tzvetan Todorov (L'Homme
dépaysé. Paris: Seuil,
1996; La littérature en péril. Paris:
Flammarion, 2007), Julia Kristeva (Étrangers
à nous-mêmes. Paris: Éditions Fayard, 1988) e Amin
Maalouf (Les Identités meurtrières.
Paris: Éditions Grasset,1998).
o
Remontando Zinos: imagens e sons, aromas e
sabores — Lauro Iglesias Quadrado.
A
escritora de ficção Jasmin Ramadan (1974) é caso exemplar da ordem mundial
contemporânea no que diz respeito à maior internacionalização das indústrias
culturais. A autora é filha de mãe alemã e de pai egípcio, e nasceu na cidade
de Hamburgo, na Alemanha. Seus livros tratam de temas urbanos atuais, e seus
personagens protagonistas são também frutos de misturas étnicas e culturais.
Ramadan mistura conflitos provocados a nível pessoal por heranças culturais
diversas junto à problemática individual vivida pelo homem comum do século XXI.
Nesta comunicação, seu romance A Cozinha
da Alma (2009) é analisado através de possíveis ligações que seu texto
literário de ficção propõe com obras críticas e teóricas que abordam questões
semelhantes. O leitor é apresentado ao protagonista Zinos Kazantzakis, um jovem
que nasceu e vive na Alemanha no final do século XX, proveniente de família
grega. Sua trajetória é marcada por constantes movimentos espaciais e pela
esperança do imigrante, bem como pela inconstância em suas relações
interpessoais. No entanto, o personagem tem uma frequente obsessão ao longo de
toda a narrativa, a de abrir seu próprio restaurante, o qual seria dono e
cozinheiro. O nome do estabelecimento é Soul Kitchen, indicando uma pretensão
grandiosa de amplitude de sentidos — irônico para um local barato e sem
estrutura. Mais: estabelece relação com a música, elemento crucial nos textos
de Ramadan, e com o sentimento de conforto doméstico. Zinos, por fim, é
constituído de relações sinestésicas que estabelece com diferentes meios com os
quais se relaciona, e a partir delas constrói significados, juntando pedaços de
suas memórias multiculturais.
Sessão 4 — quarta-feira,
08/10, 16h30 às 18h, sala 217 (Prédio de aulas).
o
A representação do espaço prisional nas
literaturas brasileira e russa — Denise
Regina de Sales.
A
prisão obriga o condenado a deslocar-se do espaço familiar do seu cotidiano para
um espaço arbitrário desconhecido. No caso dos escritores reprimidos por
governos autoritários, o relato da experiência de prisioneiro transforma-se em
testemunho contestador do regime. A narrativa de uma experiência pessoal
definida com precisão tanto no tempo quanto no espaço adquire caráter nacional
e amplia-se, inclusive, para o âmbito universal, transformando-se em documento
da condição humana em quaisquer lugar e época. A partir de aproximações entre
as obras Contos de Kolimá, de Varlám
Chalámov, e Memórias do cárcere, de
Graciliano Ramos, busca-se compreender as relações entre o texto literário, o
momento histórico da escrita e as possibilidades de recepção ao longo do tempo.
Ambos os autores passaram pela condenação e prisão políticas no século XX e
transformaram a própria experiência em livros reconhecidos em seus respectivos
países como obras importantes da literatura nacional. Em que medida a
representação literária de campos de trabalhos forçados no extremo norte da
Rússia encontra paralelos na representação de prisões no Rio de Janeiro?
Igualmente presentes nas obras citadas, a necessidade de testemunhar, o choque
entre o eu do escritor e a máquina do Estado e a crítica inerente à descrição
de tratamentos desumanos obrigam-nos a extrapolar as fronteiras das Letras para
explicar o fazer literário.
o
Territórios imaginários em Vodu Urbano
de Edgardo Cozarinsky — Maria Augusta Vilalba Nunes.
Em
seu artigo Literaturas pós-autônomas, Josefina
Ludmer investiga a influência exercida pelo espaço físico e geográfico sobre a
literatura e os processos de escrita. Ela verifica que algumas escrituras se
introduzem na realidade cotidiana e constroem para essa realidade um presente,
diluindo o limite entre sujeito do espaço e sujeito da escrita, isto é, a realidade
do espaço definiria o escritor ao mesmo tempo em que seria definida por ele em
seu texto. A literatura, pensada sob esta perspectiva, colocaria também em jogo
o limite (se ele existe) entre a realidade e a ficção, já que mesmo sendo
invenção, ela não deixa de estar fortemente cunhada na realidade (histórica).
Entretanto, devemos salientar que essas práticas de escrita, apesar de
construir um presente a partir do espaço e de seu cotidiano, não se definem por
uma elaboração verossímil dos mesmos, isto é, elas não representam sua
realidade, mas constroem realidades através do olhar do escritor. Estaremos,
desse modo, traçando a partir do texto de Ludmer uma leitura do livro Vodu Urbano do escritor e cineasta
argentino Edgardo Cozarinsky. Em Vodu
Urbano o espaço é o desencadeador de memórias, histórias e reflexões que
levam o escritor ao ato da escrita. A realidade do espaço se funde à
experiência pessoal e a visão de mundo do escritor, tornando, desse modo, o
texto um lugar híbrido e ambíguo que não se define nem pela ficção, nem pela
realidade, mas por ambas.
o
O cosmos urbano: visões da multiplicidade —
Mairim Linck Piva.
A
literatura de feição intimista perscruta os múltiplos “eus” constituintes do
sujeito, particularmente na contemporaneidade em que elementos como
globalização, deslocamentos ou fragmentação tornam-se indicadores das variadas
facetas da representação humana nos textos literários. Na busca da
representação do ser, foca-se também
o estar, ou seja, a relação com o
espaço, a relação de um determinado sujeito com seu mundo circundante,
definidora de sua herança cultural, de suas expectativas, de sua própria
identidade. Segundo Gaston Bachelard, é preciso dizer “como habitamos o nosso
espaço vital de acordo com todas as dialéticas da vida, como nos enraizamos,
dia a dia, num ‘canto do mundo’” (BACHELARD, 1988, p.24). Gilbert Durand afirma que o espaço “parece
ser de facto a forma a priori donde se desenham todos os trajetos imaginários.”
(DURAND, 1989, p.283). Do ponto de vista sociológico, considerando o ser humano
como um “ser social” por excelência, Maffesoli (1979) afirma que a socialidade
nos seus diversos aspectos, ao lado de sua inscrição temporal, possui uma
dimensão espacial cuja importância não pode ser negligenciada. Segundo ele,
tudo o que possa ser dito de sua estrutura e de seu desenvolvimento, de sua
pluralidade, encontra sua encarnação em um espaço determinado que estrutura ele
próprio as situações que encerra. A fenomenologia de Bachelard, a antropologia
do imaginário de Durand e a sociologia de Maffesoli convergem para destacar a
relevante função do espaço na estruturação da vida e da imaginação do ser
humano. Dessa forma, um exame dos espaços ficcionais em que se encontram as
personagens de um escritor é um passo inicial para se situar o universo de
valores e imagens de seus textos. Assim, esse estudo analisa a obra romanesca e
contística do escritor sul-rio-grandense Caio Fernando Abreu a partir da
perspectiva das representações simbólicas do espaço urbano.
o
O Romance d’A Pedra do Reino: espaço
de criação e de reinvenção poética — Roseli
Bodnar.
Este trabalho pretende analisar a questão do “espaço de
criação e de reinvenção poética” na obra O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do
Vai-e-Volta(1970), de Ariano Suassuna, tendo em vista dois objetivos
principais: um estudo de gênero, já que a obra é de difícil classificação, pois apresenta elementos do
romance e traços da rapsódiae da epopéia e, em seguida, abordar as fontes de
inspiração do autor ligadas à cultura sertaneja nordestina e as tradições do
mundo ibérico.
o
O trânsito no micro espaço e a constituição
do privado: a casa e suas relações em duas ficções brasileiras contemporâneas —
Natasha Centenaro.
Na
pós-modernidade, período em que as fronteiras estão diluídas, é possível
perceber uma nova constituição de espaço. Esses espaços cambiantes estão
caracterizados na literatura brasileira contemporânea de forma a se pensar
personagens em trânsito contínuo, do macro ao micro espaço.São personagens em
deslocamentos físico e psicológico intensos, e suas casas são exemplos das
relações de espacialidade interna (psique da personagem) e externa (em
confronto com a rua). Assim, pretende-se
verificar como ocorre a elaboração dos diferentes espaços em dois romances
brasileiros: Leite derramado (2009),
de Chico Buarque, e Nada a dizer
(2010), de Elvira Vigna. Analisa-se os movimentos no interior da casa, o micro
espaço que se faz privado, e como essa constituição de espaço pode representar
os deslocamentos físicos e também subjetivos das personagens. No primeiro
deles, é possível perceber a decadência da família tradicional carioca conforme
diminui a extensão de suas moradias, de uma imponente fazenda herdada de seus
antepassados, ao chalé de Copacabana, ao casarão da Botafogo até o humilde
apartamento de apenas um dormitório.E é no espaço restrito da intimidade que a
narradora autodiegética de Elvira Vigna expõe seu conflito, o interior em
relação ao exterior, e o exterior a partir do interior, numa casa em arrumação —
a reorganização de uma família nada tradicional em São Paulo. Para este artigo,
busca-se utilizar a conceituação de espaço da geografia e como categoria
literária, bem como, a Poética do espaço,
de Gaston Bachelard.
Sessão 5 — quinta-feira,
09/10, 14hàs 15h30, sala 205 (Prédio de aulas).
o
O espaço e o corpo na constituição do
sentido — Vera Lucia Lenz Vianna.
Pensar
o espaço como estatuto central da literatura de cunho autobiográfico e
testemunhal, bem como de outros gêneros literários, permite pensar questões que
vão desde a possibilidade de descrição da experiência do corpo, da construção
do sentido, da retenção da memória e do processo histórico entre outros
tópicos. Os textos de Maya Angelou, I Know Why the Caged Bird Sings (
1970), e de Toni Morrison, The Bluest Eye (1970), apresentam
uma reflexão profunda e lúcida sobre o sentimento de desamparo, dor e exclusão
que o negro sofreu no espaço geopolítico dos Estados Unidos da América. É
através da tentativa de compreensão deste espaço e das distorções inerentes às relações
de ordem racial, cultural e ideológica, que Angelou se debruça em sua própria
história a fim de promover a capacidade do auto-reconhecimento e da
auto-aceitação. Por sua vez, através de uma trama narrativa onde diferentes
vozes e corpos emergem “no interior do jogo de modalidades específicas de
poder” e tornam-se mais o “produto da
marcação da diferença e da exclusão, do que o signo de uma identidade” (HALL,
2004, p.109), Toni Morrison constrói a história de Pecola, Claudia e Frieda:
meninas que se debatem em um universo
sociocultural erigido para rasurar suas existências. A análise busca desnudar a
forma como estes textos iluminam o fardo que o preconceito inflige as suas
vítimas e que acaba tornando o passado nebuloso, o presente inacessível e o
futuro ameaçador. Teóricos como Frantz Fanon, Gina Wisker, Stuart Hall e Henry
Louis Gates Junior servem de suporte teórico para o trabalho.
o
A importância do corpo em O Reino de
Gonçalo M. Tavares — Sandra Beatriz
Salenave de Brito.
Gonçalo
M. Tavares é um escritor português contemporâneo que, em sua tetralogia O Reino, aborda diversas questões de
caráter reflexivo sobre a constituição do ser humano, estabelecidas
principalmente na oposição ou complementariedade entre a consciência e a
inconsciência, a razão e a emoção, o eu e o outro, o desejo e a moral, a
sanidade e a loucura, a liberdade e o aprisionamento, a natureza e a
tecnologia, a dominação e a opressão. As personagens vivem situações variadas
que evidenciam a importância do corpo enquanto modo de apropriação do mundo e
das ações, seja na percepção através dos sentidos,ou como um instrumento de
trabalho; ou ainda como um espaço a ser desvendado; e também um território a
ser ocupado por si mesmo. Este trabalho retomará alguns aspectos já abordados
na dissertação de Igor Gonçalo Graves Abraços Furão (Universidade de Lisboa,
2013), na dissertação de Maria Margarida Araújo e Marques (Universidade de
Coimbra, 2010) e na tese de Júlia Vasconcelos Studart (UFSC, 2012), mas
fundamentará a análise principalmente em alguns conceitos foucaultianos sobre o
corpo, a sexualidade, a loucura e a punição; freudianos sobre a consciência, os
instintos e a cultura, nietzscheanos sobre a moral, a maldade e a razão. Todas
estas questões são permeadas pelo espaço da guerra que se desenvolve durante
grande parte da narrativa, e deixa suas marcas mesmo depois de seu término. As
personagens de O Reino representam a
elaboração de uma identidade que, em alguns aspectos, é individual, refletindo
a trajetória da personagem, mas, na maioria das vezes, é coletivo, pois
refere-se a questões que são inerentes ao ser humano.
o
O corpo como espaço de dor e sofrimento:
representações patológicas em Germinie Lacerteux (1865), dos Irmãos Goncourt
— Vanessa Costa e Silva Schmitt.
Manifestação
do corpo em desordem, a dor revela a fragilidade física e psíquica do ser
humano. Para além do sentido de mecanismo orgânico de defesa e de proteção,
como é compreendida hoje no âmbito da fisiologia, a sensação dolorosa pode ser
seguidamente confundida com o sofrimento. Sejamos objetivos: aqueles que sentem
dor sofrem, e o sofrimento moral corresponde muito frequentemente ao mal
físico. Alain Corbin define a dor como um desequilíbrio do sistema sensitivo,
sem dúvida, mas também como uma "construction sociale,
psychoculturelle, formalisée dès le plus jeune âge",
de modo que o sentido que lhe é conferido preexiste à sensação experimentada[1]. Não se
deve ignorar a natureza individual, tampouco a social, da dor: o contexto no
qual o indivíduo se insere contribui para impregná-lo de diferentes
significados em relação à experiência dolorosa. Assim, é possível observar
modelos e parâmetros que se repetem à luz de ideias pré-concebidas, repetidas à
exaustão. Temática que ultrapassa a esfera da medicina, sempre flertando com a
teologia, a dor (e com ela todos os lexemas que dizem respeito ao universo do
sofrimento) aparece desnudada e sem subterfúgios em Germinie Lacerteux (1865), um dos romances mais célebres de Edmond e Jules de Goncourt. Trata-se,
nesta comunicação, de analisar o corpo como espaço de dor e sofrimento.
Inicialmente, propõe-se a avaliar as instâncias de sofrimento físico e psíquico
da protagonista, Germinie. Logo após, serão examinadas as representações dos
(possíveis) distúrbios no corpo e pelo corpo, ou se, talvez, estes pertençam à
fronteira do indizível. Por fim, tentar-se-á analisar a legitimidade de
conceber Germinie (uma pobre doméstica infeliz), bem como as manifestações do
seu corpo gasto e corrompido, como um caso patológico.
o
A ação literária na construção do corpo
identitário teatral — Bia Isabel Noy.
Nas
Artes Cênicas o corpo é o principal elemento do ator. Ele é a matéria bruta
através da qual a identidade do personagem será esculpida. Para a construção
corporal do “eu cênico”, além de diversos tipos de artifícios, o elemento
fundamental que modela tanto o corpo como a mente do personagem são as ações
por ele realizadas. Na arte teatral, a ação é vista como a atividade primordial
do ator na cena, possuindo uma característica prática que passa
indiscutivelmente pelo corpo. Desta maneira, a ação é por excelência o trabalho do ator, sendo parte
essencial do processo de composição do personagem. As ações
executadas na cena, por muitas vezes possuem sua origem nas páginas da
literatura, ou seja, tendo suas bases no texto literário, ela se torna matéria
psicofísica no teatro: a ação literária é um dos importantes elementos
responsáveis pela criação identitária do corpo cênico. Na literatura (texto)
como no teatro (ator), a ação é aquela que permite o elã, que impulsiona além,
que compreende todo o organismo textual e corporal, possuindo então uma
estreita relação com a construção dos personagens. Desta forma, sabendo que as
ações teatrais implicam o envolvimento de todo o corpo e sendo que elas partem,
em sua maioria das páginas literárias, nesta reflexão, pretendemos aprofundar
mais esta relação, construindo um caminho no qual o texto é a construção do
corpo: o texto é verbo, o verbo é ação e ação é corpo em composição. Posto
isto, em um espaço limiar, no qual as Artes Cênicas dialogam com a Literatura
Comparada, discutiremos como as ações literárias se tornam a mola propulsora
para uma ação teatral, na qual o corpo se apresenta como um processo de
construção da identidade de um personagem, resultante assim da sólida relação
entre estes dois saberes.
o
Percepção do espaço: figurações da casa em
Lobo Antunes — Raquel Trentin.
Em
Fenomenologia da Percepção,
Merleau-Ponty nos ensina que a unidade do espaço só é depreendida a partir da
mediação da experiência corporal, pois, no espaço em si, sem a presença de um
sujeito psicofísico, não há nenhuma direção, nenhum dentro, nenhum fora. Se
cada sensação é uma superfície de contato com o ser, em lugar de um espaço
único, temos, com cada uma, um modo particular de ser no espaço e, de algum
modo, de fazer espaço. Também a narratologia contemporânea, em diálogo com as
ciências cognitivas,tem repensado a relação da personagem e do narrador com o
espaço, descrevendo os elementos que intermediam e qualificam essa relação. Com
base nas contribuições dessas duas linhas teóricas, pretendemos ler os
possíveis sentidos da figuração da casa em Lobo Antunes, especificamente nos
romances Os cus de Judas (1979), Fado Alexandrino (1983) e O esplendor de Portugal (1997). Nesses romances,
os lugares povoam-se de devaneios, paixões e fantasmas em sincronia com as
complexas experiências psicológicas das personagens. “O ser abrigado
sensibiliza os limites do seu abrigo”, dizia Bachelard em A poética do Espaço; em Lobo Antunes, experiências de violência,
dispersão e perda afetiva problematizam a noção de casa como um dos lugares de
estabilidade do ser.
Sessão 6 — quinta-feira,
09/10, 14h às 15h30, sala 217 (Prédio de aulas).
o
Metrópole e natureza: a resistência à
desumanização dos grandes centros — José
Humberto Torres Filho.
Este
trabalho tem por objetivo investigar a relação estabelecida entre a metrópole e
a natureza em duas narrativas do século XX, quais sejam: Palomar (1983), de Italo Calvino, e Os dragões não conhecem o paraíso (1988), de Caio Fernando Abreu. A
primeira obra é construída a partir do ponto de vista de Palomar, um homem
míope que possui o nome de um dos observatórios astronômicos mais famosos do
planeta. A dualidade que o protagonista da história de Calvino enseja culmina
numa atenção pormenorizada e sensível em meio ao ritmo de uma cidade grande:
Roma. Já a obra de Caio Fernando Abreu retrata São Paulo no fim dos anos 80,
cidade marcada pela solidão de seus habitantes e envolvida em um crescente
processo de desumanização.Assumindo como aporte teórico a leitura que Walter
Benjamin realiza sobre a modernidade, procuramos analisar a relação dialética
entre metrópole e natureza nas duas obras. No caso do livro de Italo Calvino, à
medida que Palomar detém seu olhar sobre a natureza presente no meio urbano, é
possível captar em negativo as sombras da metrópole que se agiganta ameaçando a
fragilidade do homem. Trata-se de um mecanismo de revelar a brutalidade do caos
urbano a partir da sensibilidade representada pela natureza. Processo
semelhante se dá na produção de Caio. Seus personagens se isolam do convívio
com o outro, aprisionando-se em seus apartamentos, deixando o eco da metrópole
reverberar na solidão humana. A natureza dessa vez surge a partir da memória de
uma infância no campo. Longe de representar a busca por um paraíso perdido, a
representação da natureza destaca quão distante a experiência do homem morador
das grandes cidades está do lado sensível.
o
Sobre a temporalidade da escrita Bio em Água
Viva e no Livro das Horas — Luciana
Abreu Jardim.
Água viva,
texto experimental de Clarice Lispector publicado em 1973, constitui um marco
literário para as investigações dos estudos acerca do feminino e de sua relação
com textos de memórias, seguindo a categoria dos autobiográficos. O conceito de
uma escrita bio, desenvolvido pela personagem-narradora de Água viva, estabelece estreito vínculo com a questão da
temporalidade. Cumpre destacar que a busca da personagem-narradora recai sobre
o inalcançável instante-já, de modo a delinear os traços de um corpo marcado
pela constante ameaça do desaparecimento. Ressonâncias da agônica temporalidade
clariciana retornam no recente livro de memórias de Nélida Piñon. No Livro das horas (2012), a escritora
reconhece a importância da escrita clariciana, o que a leva a mencioná-la mais
de uma vez em seu relato de cunho autobiográfico. Observe-se que a categoria do
tempo, outrora investigada por Lispector sob a auto-inspeção de sua força
protagonal, ressurge para dar título e unidade à escrita de Piñon, de modo a
enfatizar o drama subjacente à fugacidade do tempo. Refletir e escrever acerca
do tempo deixando à mostra flagrantes de possibilidades de sentidos tecidos por
narradoras confessionais, para além do pensamento logocêntrico, demanda o
reconhecimento de experiências que circulam no cruzamento da biologia, da
cultura e sobretudo da condição feminina. Assim, buscaremos fundamentar as
investigações de Lispector e Piñon, referentes às escritas marcadas pela
temporalidade, por meio dos estudos de Julia Kristeva sobre o mesmo tema. Para
tanto, retomaremos algumas reflexões de Kristeva que dialogam com o pensamento
clariciano, que se encontram dispersas em artigos de obras tais como La
haine et le pardon (2005), Visions capitales
(1998), Pulsions du
temps
(2013)
e Seule une femme (2007). A intenção não
será a de demarcar a identidade de um espaço de escrita feminina, mas antes a
de acentuar o espaço de sua singularidade.
o
A memória cultural sob conflito: um texto a
respeito do maior centro de tortura da ditadura argentina — Luís Roberto de Souza Júnior.
A
Escola de Engenharia Mecânica da Marinha (Esma), em Buenos Aires, serviu de
maior campo de detenção ilegal e de tortura durante a última ditadura militar
(1976-1983) argentina. Hoje em dia, abriga o Espacio para la Memoria y la Promoción y defensa de los Derechos
Humanos, o qual se pode visitar. Estamos diante de um autêntico local
traumático, conforme a definição de Aleida Assmann em Espaços da recordação — Formas e transformações da memória cultural:
“O local traumático preserva a virulência de um acontecimento que permanece,
como um passado que não se esvai, que não logra guardar distância”. Segundo
Assmann, a expectativa é que esses
locais promovam um aumento da intensidade da recordação por meio da
contemplação sensorial. A estudiosa salienta que por essa abordagem o palco dos
acontecimentos históricos deve tornar acessível ao visitante o que as mídias
escritas ou visuais não conseguem transmitir: “a aura que não é reproduzível em
medium algum”.Trata-se do caso da
Esma. É um passeio longo, de três horas, e, sobretudo, pesado. Ouve-se, por
exemplo, que dos cinco mil presos ali torturados, cerca de 200 sobreviveram. Tzvetan Todorov, após visitar a Esma e um monumento aos desaparecidos durante a ditadura, escreveu um texto no qual dizia ter sentido falta nesses
lugares de sinais que remetessem ao contexto da época ditatorial. Tomando
como base os pressupostos de Assmann e o texto de Todorov, além da pergunta “O
binarismo encerrado na ideia de conflito pode ser transfigurado pela ação da
literatura?”, este trabalho se propõe a pensar uma forma literária de descrever
e ressignificar o que aconteceu na Esma e na ditadura argentina.
o
Rio-baldo x Rio-bardo: as veredas do
narrador — Valéria de Castro Fabrício.
Este
trabalho realiza um estudo a cerca da categoria do narrador na obra
"Grande sertão: veredas", de Guimarães Rosa. Para tanto, toma como
referência teórica o texto de Hannah Arendt intitulado "Ação" e o de Walter Benjamin,
"O narrador". Nossa proposta de trabalho parte do entrecruzamento das
abordagens dos dois teóricos analisando-as sob a perspectiva do narrador, mais
especificamente, a função da narrativa de Riobaldo. Entendemos que sua elocução
pode ser analisada sob dois aspectos: o da afirmação de uma identidade coletiva
e o da especulação sobre a identidade individual. Primeiro, tomando as
prerrogativas de Benjamin, observamos que o discurso do ex-jagunço expõe uma
leitura de mundo que resgata um cabedal de conhecimento adquirido ao longo do tempo
e de sua experiência e por isso reflete valores coletivos. Nessa perspectiva,
ele porta-se como o narrador que domina tais verdades, tem portanto, autoridade
para narrá-las, consequentemente, responsabilidade de perpetuá-las. Em o
fazendo, aproxima-se do narrador primitivo proposto por Benjamim, sintetizado
nas imagens do artesão e do marinheiro. Eles apresentam-nos quem somos.
Simultaneamente, o relato de ex-chefe de bando possui espaços discursivos
repletos de questionamentos. Esses se referem menos ao entendimento das coisas
factuais do mundo e mais à ordem do individual, do vivenciar. Eles buscam
responder à pergunta sugerida por Hanna Arendt: quem sou? Assim, acreditamos
ser possível abordar a função da ação narrativa de Riobaldo, nessa dupla perspectiva:
um relato em que o narrador apropria-se de autoridade para asseverar, e, ao
mesmo tempo, assume sua relatividade para indagar. Rio-bardo afirma através do
resgate de sua ação no mundo; Rio-baldo pergunta na busca da apreensão do seu
experienciar o mundo.
o
Malévola, a vilã e seu conto de fadas — Maria Dorothea Barone Franco.
Esta
comunicação tem por objetivo o estudo de um exemplo da complexidade das
personagens ficcionais no desempenho de seus papeis híbridos nas
reinterpretações dos contos de fadas para o cinema do século XXI. Há uma
pulsante alternância das esferas de ação — antagonista e herói — na
transmutação das narrativas maravilhosas, narradas na voz e na imagem fílmicas.
As adaptações cinematográficas dos contos maravilhosos elaboram imagens de
personagens bem mais humanas e, portanto, mais conflitadas. As ações das
personagens, na maioria das adaptações para as narrativas maravilhosas, estão
mais próximas das humanas. A representação do maniqueísmo perde sua força e
heróis e vilões partilham “direitos iguais”. A perfeição de superfície dos
seres ficcionais das histórias de fadas desaparece na metamorfose estrutural,
cultural e social para o cinema, que apresenta heróis na condição de indivíduos
em crise com seus valores, sem abrirem mão de conceitos morais, conforme se
manifesta no espaço gestual, vocal e visual da tela. A investigação Malévola, a
vilã e seu conto de fadas tem, pois, o objetivo de abordar as tensões
comportamentais e morais das personagens na troca de suportes/espaços de enredos:
do conto de fadas A Bela Adormecida no Bosque (1989) para a adaptação
cinematográfica Malévola (2014). O público adulto, espectador da nova adaptação
para a narrativa maravilhosa no cinema, reelabora o conceito de humanidade,
assumindo os indicadores morais necessários para o convívio em sociedade. A
sustentação teórica da investigação compreende os escritos de Linda Hutcheon
(2011) sobre o processo de adaptação textual para a mídia cinematográfica, a
imagem no cinema por Gilles Deleuze (2013) e a forma como são constituídas as
narrativas maravilhosas, conforme Vladimir Propp (1972).
Sessão 7 — quinta-feira,
09/10, 16h30 às 18h, sala 205 (Prédio de aulas).
o
Corpo, espaço e deslocamento em A Obscena
Senhora D, de Hilda Hilst — Cinara
Ferreira Pavani.
A
ocupação do espaço e os deslocamentos empreendidos pelo sujeito em sua
trajetória possuem uma dimensão simbólica, que pode apontar significações
variadas, entre as quais as relativas à identidade e ao sentido da existência.
Nesse processo, estão presentes interações entre o individual e o social, o
físico e o metafísico, o existente e o ausente, a lucidez e a loucura, como
muito bem se observa em A obscena senhora
D, obra em prosa publicada por Hilda Hilst em 1982. A autora narra a
história de uma mulher de 60 anos que, após a morte do amante, passa a habitar
o vão da escada de sua casa, evidenciando o ápice de um questionamento
filosófico sobre o sentido da vida e o vazio da morte. A narrativa
caracteriza-se pela multiplicidade de vozes, tempos e espaços através dos quais
a personagem faz referências tanto a seus momentos de plenitude vivenciados
intensamente no corpo em sua relação amorosa, quanto a seu drama existencial
resultante de uma busca incessante e improdutiva de respostas. A linguagem
utilizada também revela diversidade, ao alternar, por exemplo, formas líricas
com um discurso pornográfico ou formas cultas com uma expressão popular. Diante
da constatação da importância do espaço e de seus desdobramentos na
configuração da obra, este trabalho objetiva examinar a travessia simbólica
realizada pela personagem Hillé, tendo como pressupostos teóricos as discussões
contemporâneas sobre o espaço, o não-lugar, o deslocamento e o corpo,
realizadas por autores como Michel Foucault, Jacques Derrida, Marc Augé, entre
outros.
o
Elena,
sobre a (auto)representação no cinema — Gabriela
Semensato Ferreira.
Antes
mesmo que se pudesse assistir a Elena
(2012), o pôster do filme já gerava expectativas. Nele, figura uma mulher
submersa na água, olhos fechados, vestido delicado e uma expressão quase
serena. Ante esse corpo feminino à deriva, outras imagens surgiam como ecos: a
personagem Ofélia, em Hamlet (1603),
de Shakespeare, cuja precipitação ao riacho é anunciada pela rainha; a pintura
de Ofélia (1851–52), de John Everett Millais, em que se pode vê-la a flutuar.
Em Elena, a diretora Petra Costa
torna-se personagem e, também narradora, vai tecendo um diálogo solitário com a
irmã. Não narra apenas a história de sua vida e morte, mas chama-a pelo nome,
por um “você” que se repete. Também não se posiciona somente como
entrevistadora, mas, com a câmera na mão, vai guiando os olhos pelas ruas de
Nova Iorque, à procura dos espaços por onde passou, onde se transformou Elena.
Sente confundir-se com a irmã: aparência, voz, histórias similares.
Multiplica-se, porém, em meio a outras mulheres à deriva (através de memórias
da família, de experiências artísticas) em busca do que consiste a diferença
entre si e a outra, em busca da própria identidade. Nessa obra, coexistem as
problemáticas da representação (biográfica) e da autorrepresentação. Ao
dirigir-se à Elena, na locução em off,
Petra fala de si, da mãe, de Ofélia, da infância, da busca pelo sonho de fazer
parte do cinema enquanto mulher, jovem, brasileira. Assim, nesse documentário
não convencional, apresenta visual e verbalmente a difícil tarefa de
representar, que será observada, neste trabalho, enquanto questão fundamental
no campo das artes e da teoria. Partindo de noções narratológicas aplicadas ao
cinema, consideramos, ainda, estudos acerca da construção da identidade e do
corpo no espaço poético. Concentramo-nos, por fim, na conseqüente discussão
acerca da representação — e sua crise — na contemporaneidade.
o
A (des)constituição do feminino em O Remorso
de Baltazar Serapião, de Valter Hugo Mãe — Ana Lúcia Montano Boessio.
O objetivo deste
trabalho é analisar o papel do contexto cultural na (des)constituição do
feminino, através da relação entre “baltazar”, personagem principal na obra de
valter hugo mãe, o remorso de
baltazar serapião, e sua esposa “ermesinda”. Entendendo cultura como uma
construção antropológica e, segundo Roy Wagner, uma “invenção”, percebe-se o
quanto um espaço marcado pelo isolamento e, consequentemente, por práticas
culturais rígidas e inquestionáveis, pode influenciar no comportamento de um
grupo, definindo suas dinâmicas na arena social. Na narrativa de mãe, o processo inter-relacional de
constituição do sujeito, como proposto por Mikhail Bakhtin, o
qual requer a presença do “outro” para que o sujeito constitua a si mesmo,
é completamente distorcido: o “outro” humano é transformado em objeto
irreconhecível, ao mesmo tempo em que o animal recebe status de ser humano.
Neste caso, a maior consequência é a desconstituição do feminino, que não
apenas é privado de direitos sociais, mas também de voz, mobilidade, e até
integridade física. A desconstituição do feminino como uma invenção cultural
torna-se, na obra literária, um reflexo do que Roy Wagner chama de aspecto
coletivo de simbolização, dialeticamente identificado com o modo moral, ou
ético, da cultura. Como acontece ao antropologista, no mundo ficcional de mãe,
Cultura é apresentada como um tipo de ilusão, “um contrapeso (e uma espécie de
falso objetivo)” (WAGNER, 2009, p. 19) para ajudar o narrador/leitor a ordenar
suas experiências e compreensão sobre o feminino como uma construção cultural
e, portanto, limitada pelo tempo e pelo espaço.
o
Film (1963–64): quando
o duplo cinematográfico beckettiano encontra o duplo narrativo benjaminiano — Mauro de Araújo Menine Jr.
A presente comunicação realiza a leitura crítica de Film (1963–64), único roteiro e
realização cinematográfica de Samuel Beckett, a partir da
perspectiva teórica dos narradores benjaminianos que compõem a criação
literária, logo, todas as outras formas de arte que englobam a narrativa. O
duplo beckettiano dialoga com o duplo benjaminiano quando ambos se encontram no
espaço, no corpo e na diferença através da dupla composição narrativa: em
Benjamin, tanto no exterior — o marinheiro mercante — quanto no interior — o
lavrador sedentário, ou em Beckett, nos seus personagens — E e O —, duplos de um
mesmo narrador. Como ferramentas em e de construção do eu, portanto da possibilidade do outro -ou da diferença do próprio eu -, a teoria benjaminiana ilumina a duplicação dos personagens
beckettianos, revelando uma clownerie
filosófica acerca da possibilidade da linguagem como [in]formação da
identidade, do espaço e do tempo. A voz em primeira pessoa dos narradores
beckettianos e benjaminianos evoca a oralidade narrativa, a bidimensionalidade
da imagem e do som e a tridimensionalidade da cena, hibridizando as noções de
presente-passado e presente-presente da narração: pode ser imaginário
cinematográfico e/ou imaginação literária, portanto, molda-se conforme a
necessidade da linguagem do meio operado. Para tanto, a análise audiovisual de Film se inspira no referencial
teórico-metodológico proposto por Jacques Aumont e Michel Marie, com alusões à
leitura de Gilles Deleuze sobre o mesmo. Enfim, o monólogo dos
autores-narradores beckettianos/benjaminianos constrói uma fronteira adaptável
às diferentes linguagens em que são narradas. Conclui-se
que o duplicar-se beckettiano em Film
é a prática narrativa do entre
gêneros, ou melhor, o pensamento filosófico a partir do instrumento cinematográfico,
introduzido através do discurso indireto livre de autores-narradores,
realizando o monólogo interior cinematográfico, porquanto a união do marinheiro
e do lavrador.
o
Marcas subalternas: corpo e subjetividade em
Carolina Maria de Jesus — Carla Lavorati.
Carolina
Maria de Jesus, brasileira, negra, pobre, mulher. Nascida em 1914, ficou
conhecida no Brasil e no mundo após a publicação de seu livro diário Quarto de Despejo, em 1960. Adjetivada
por estudiosos como Joel Silveira (2009) como a escritora improvável, pois
provém das margens da sociedade, da economia, da educação e da cultura do país;
Carolina Maria de Jesus, pode ser observada como símbolo dissonante, posto que
ela foi em vida e é em sua obra, o reverso da moeda, o lado em desvantagem, o
outro do discurso do poder, o lado marginal da cultura e do consumo. No livro Quarto de Despejo, e mesmo em outras
obras publicadas como o Diário de Bitita
(1982), Pedaços da Fome (1963), Casa de Alvenaria (1961) e Provérbios (1963); encontramos as marcas
do lugar marginal ocupado por Carolina Maria de Jesus dentro do cenário
sociocultural do país, o que torna a sua escritura um espaço de tensionamento
da própria linguagem e das relações entre poder e o saber que a envolvem. Essa
marginalização foi sentida em todo o percurso da sua vida, pois no jogo das relações sociais, Carolina, carregou estampada
na pela negra, no corpo feminino e nas roupas desgastadas as marcas da
alteridade que compunham sua própria identidade. Portanto, o objetivo é
analisar como o corpo é representado em sua obra Quarto de Despejo, para observar como essa temática é
problematizada e quais as relações estabelecidas entre identidade/alteridade.
Como suporte teórico recorrermos às reflexões de: Landowski (2002); Zigmunt
Bauman (2005) e Xavier (2007).
Sessão 8 — quinta-feira,
09/10, 16h30 às 18h, sala 217 (Prédio de aulas).
o
Entre senzala e buraku: o naturalismo e o surgimento do discurso de direitos
humanos no Brasil e no Japão na virada do século XX — Roberto Pinheiro Machado.
Este trabalho visa oferecer uma leitura comparativa do naturalismo no
Brasil e no Japão e de sua relação com o surgimento do discurso de direitos
humanos nos dois países na virada do século XX. A estética naturalista
engendrada por Émile Zola (1840–1902)foi acolhida no Brasil e no Japão em
tempos de profundas transformações políticas e sociais. Enquanto o Brasil fazia
a transição do Império à República, o Japão passava da prolongada ditadura
militar do período Edo (1603–1868) à nova organização produzida pela
Restauração Meiji. Em ambas a nações uma nova classe social de homens livres
surgia, e literatura naturalista foi, em ambos os casos, a primeira corrente
literária a retratar a condição do novo indivíduo libertado da servidão.
Enquanto no Brasil a publicação da obra O
mulato (1881) de Aluísio Azevedo (1857–1913) originou a dimensão literária
do movimento abolicionista, no Japão a obra Hakai
(1906) de Shimazaki Tōson (1872–1943) abriu um debate nacional sobre a questão
do preconceito sofrido pelo grupo dos shinheimin,
os novos cidadãos liberados da condição servil pelo governo Meiji em 1871.
Tomando por base os processos sócio-culturais que levaram à edição da Lei Áurea
(1888) no Brasil e do Ato de Liberação (Kaihōrei,
1871) no Japão, este trabalho analisa a relação entre as inovações linguísticas
e literárias promovidas pela estética naturalista e os desenvolvimentos
ocorridos no campo do direito e da legislação. O naturalismo aparece, assim,
como pivô de uma história literária que se confunde com a história do direito e
da cidadania na periferia do capitalismo na virada do século XX.
o
Viagem, música e memória em A Volta do
Gato Preto, de Erico Verissimo — Gérson
Werlang.
Nosso
estudo propõe a análise da Literatura de Viagens do escritor brasileiro Erico
Verissimo a partir da presença da música. Para tanto, serve-se do livro A Volta do Gato Preto em Campo de Neve, de 1946, relato de uma viagem
do escritor aos Estados Unidos. As relações entre música e memória, assim como
a observação acurada dos estilos musicais característicos dos locais por onde
passa, reforçam a presença da música como uma das marcas definidoras de sua
Literatura de Viagens. A Literatura de Viagens, conquanto exista desde a
antiguidade, apenas agora começa a encontrar seu nicho na crítica literária. A
produção de relatos de viagens tem perpassado toda a história ocidental e foi
responsável pela mudança da visão de mundo em diferentes épocas. Segundo
Fernando Cristóvão “a Literatura de Viagens (...) é um subgênero compósito, em
que a Literatura, a História e a Antropologia, em especial, se dão as mãos para
narrar acontecimentos diversos relativos a viagens”. Dentre os escritores
brasileiros, o gaúcho Erico Verissimo destaca-se também pela frequência com que
abordou as narrativas de viagens. “Desde criança fui possuído pelo demônio das
viagens”, diz o escritor em suas memórias. Esse “demônio” foi responsável pela
produção de diversos livros dedicados às viagens que o escritor fez pelo mundo.
Neles, o ficcionista dá lugar ao viajante interessado em praticamente qualquer
aspecto da existência. A narrativa de A
Volta do Gato Preto apresenta uma sucessão de quadros descritivos dos
lugares por onde o escritor passa, e essas imagens são deflagradoras de
múltiplos elementos da memória de seu autor. Na dança das descrições, surge a
música como presença fundamental, variada e agregadora.
o
Torna-viagem oitocentista: “brasileiro” ou
expatriado na própria terra? Estudo sobre o conflito identitário na
representação literária do emigrante português oitocentista que veio para o
Brasil — Gisélle Razera.
No século XIX, uma combinação de
fatores pesou na decisão de muitos portugueses de migrarem para o Brasil:
escassez de recursos, baixa perspectiva de ascensão social por meio do trabalho
agrícola, a injusta distribuição de terras, a não industrialização do país,
etc. Esse contexto, unido ao incremento da tecnologia marítima, marca daquele
tempo, motivou a travessia atlântica de lusos com destino ao “Eldorado”. Esses
migrantes, divididos entre o tolerar a vida parca a que estavam condenados em
Portugal e o colher o tesouro da “árvore das patacas”, conforme o imaginário
relacionado ao Brasil, escolheram a aventura em terras sul-americanas — em sua
maioria, alimentando o desejo de retornar à pátria desde o instante da partida.
Muitos conseguiram regressar, ainda que nem todos ricos. No entanto, uma vez em
solo natal, eram alcunhados de “brasileiros”. Segundo Eça de Queirós, essas
pessoas assumiam condição apátrida, pois,não tendo se tornado brasileiros, portugueses
não voltariam a ser. De certa forma, viver em terras brasileiras impôs a esses
migrantes uma modalidade de expatriação, mesmo quando estavam novamente no chão
em que nasceram. Esse fenômeno foi amplamente representado na dramaturgia e na
literatura lusitana, sobretudo a partir da segunda metade do Oitocentos — por
artistas que ilustravam esse movimento migratório e que, muitas vezes,
transferiam ao objeto artístico o dilema social em que estavam imersos.
Conforme Jorge Alves, a vasta representação desse emigrante por meio da arte criou
um clichê, condensando num único termo— “brasileiro” — uma pluralidade de imagens e exotismo que o emigrante retornado
arrastava consigo. Partindo dessa premissa, e refletindo sobre o enredo das
obras Ódio de raça, drama de Gomes de
Amorim, e Ouro e crime, romance de
Eduardo Tavares, pretende-se demonstrar como o Brasil — enquanto espaço da
contravenção — foi ilustrado de acordo com uma imagem do país que era difundida
em paralelo à ideia de fonte inesgotável de riqueza.
o
Diomedes Grammaticus e a publicação de
teoria literária no Renascimento antes da redescoberta da Poética de
Aristóteles — Odi Alexander Rocha da
Silva.
Uma das mais importantes questões
legadas pela teoria da mímese clássica é a tripartição dos gêneros literários:
lírico, épico e dramático. A crítica de modo geral tem como consenso que a
grande expressão de teoria literária no Renascimento foi originada com a
redescoberta da Poética de
Aristóteles a quem se deve uma importante contribuição sobre o tema dos gêneros
literários. Entretanto, décadas antes desta redescoberta, há provas de que,
pouco após a invenção da imprensa, verifica-se a publicação de uma obra que
tece considerações contemplando a tripartição dos gêneros literários. Esta obra
intitula-se Ars Grammatica e é
atribuída a um autor do séc. III d.C., conhecido como Diomedes Grammaticus. A
análise de um segmento do Livro III da Ars
Grammatica permite verificar que o Renascimento conheceu primeiramente a
divisão dos gêneros literários a partir das considerações que Platão faz sobre
o assunto no Livro III da República,
uma vez que é esta abordagem oferecida por Diomedes. As ideias de Aristóteles
com relação a especificações técnicas da divisão dos gêneros — ausentes em
Platão — não são mencionadas em Diomedes. Isso talvez se explique pelo fato de
que as obras de Aristóteles se perderam durante o império Bizantino, época em
que se assinala ter vivido Diomedes. Assim, tem-se que a profusão de estudos
literários no Renascimento após a redescoberta da Poética se deva ao fato de que a referida obra de Aristóteles
deveria ter sido muito aguardada e que muito provavelmente já era tida como uma
abordagem mais completa com relação à tripartição de gêneros literários. Isso
permite constatar que a grande impulsão dada à teoria literária neste assunto
foi por causa do próprio Aristóteles e não pela falta de publicação sobre os
gêneros literários no século XVI, o que pode ser demonstrado com provas
documentais.
o
As lágrimas de Heráclito: relações entre
autoria e intertextualidade — Patrícia
dos Santos Silveira.
Este
trabalho discute a relação entre autoria e intertextualidade a partir do ponto
de vista do escritor. Sua problematização situa-se em como o autor de um texto
literário contemporâneo pode se relacionar com a obra de outros autores tendo
em vista o objetivo de criar uma obra original e autônoma, mas que ao mesmo
tempo dialogue com as mesmas questões já colocadas em outras obras. Para
desenvolver essa discussão, elabora-se uma reflexão sobre os processos de
construção do texto teatral e da encenação de As lágrimas de Heráclito,
os quais foram iniciados pela relação de intertextualidade com o texto homônimo
de Antônio Vieira, escrito no século XVII. Relativamente à criação do texto
cênico, tanto o texto de Vieira quanto os fragmentos de textos deixados por
Heráclito foram fonte de inspiração para a elaboração dramatúrgica. Porém, o
que pode permanecer de intertextualidade na construção de uma obra autoral? De
que recursos o autor precisa lançar mão em sua escrita, principalmente quando o
objetivo é o diálogo explícito com outras obras? Essas questões têm o objetivo
de refletir sobre como o texto de um autor pode ser apropriado por outro na
criação artística. Além disso, questiona-se sobre como os resquícios do texto
anterior podem ser percebidos na nova criação. Inicialmente, pode-se dizer que
o texto de natureza filosófica torna-se fala de um actante em nível ficcional.
Dessa forma, sentidos que antes existiam como discurso linguístico são
concretizados e transferidos para a linguagem cênica. O texto dramático e a
performance teatral permitem que os sentidos sejam experienciados com linguagem
verbal e não-verbal pelo leitor/expectador a partir de um universo ficcional,
metafórico e plurissignificativo. Para o escritor, esse diálogo pode
representar uma forma desafiadora de diálogo com a tradição e, ao mesmo tempo,
constituir uma forma de atrito em que vários sentidos coexistem
simultaneamente.
Sessão 9 — sexta-feira,
10/10, 11h30 às 13h, sala 205 (Prédio de aulas).
o
Andança pelas Canções Mexicanas, de
Gonçalo M. Tavares - Kim Amaral Bueno.
Canções
mexicanas (2011), de Gonçalo M.
Tavares, reúne 27 contos produzidos a partir de uma visita do escritor
português à Cidade do México. Narrados em primeira pessoa, os textos demonstram
a sensibilidade do observador/caminhante sobre os eventos pitorescos ou
simplesmente banais de uma cidade repleta de estímulos. Embora as instâncias de
autor e narrador sejam inconfundíveis, é perceptível uma enunciação “europeia”
a reverberar nos textos. Em entrevista ao projeto “Sempre um bom papo” (2013),
cujo vídeo está disponível no YouTube,
Tavares comenta sobre dois tipos de cidade: as que se constituem por
inumeráveis estímulos por metro quadrado, como Marrakesh, São Paulo ou a Cidade
do México; e, aquelas calmas, uniformes, como muitas cidades europeias, seja
Lisboa ou Viena, por exemplo. As Canções
mexicanas, ao retratar uma cidade pertencente ao primeiro grupo, coloca em
movimento não apenas o observador que vaga pela cidade desconhecida, mas
movimenta a própria cidade, de modo a produzir um texto que não se insere numa
matriz meramente descritiva (fotográfica). A relação estabelecida entre o
narrador observador e os lugares por ele “experienciados” são ofertados ao
leitor em fatias de espaço nas quais o que se percebe é o movimento desde
narrador, junto com as trocas entre ele e o lugar. Tal noção de movimento se
fragmenta assim como o olhar que perscruta uma cidade tão vibrante e
exuberante: o movimento de fuga de um cão esfomeado que devora músicos; o
movimento no centro da cidade em busca da casa de Frida Kahlo; o movimento de
escapar de ser pisoteado pelos milhões de mexicanos que formam a cidade. Assim,
a aplicação de uma categoria que defino como “andança” para caracterizar a
narração dos contos pretende entender a transposição deste movimento de
experiência espacial à sua textualização.
o
Terras e águas ao sul — (topo)grafias do Outro
em Terra Sonâmbula, de Mia Couto — Amilton
Queiroz (doutorando) e Simone Lima.
Narrativa içada pela (topo)grafia dos resíduos,
rastros e vestígios do reencontro entre pátrias imaginárias, Terra Sonâmbula (1992), de Mia Couto, trança solidariedades e
cooperações entre África, Ásia e Europa, cartografando a experiência de
personagens que rompem as fronteiras da Índia, Portugal e Arábia Saudita para
(des)(re)territorializar olhares que rasgam o manto de invisibilidade jogado
sobre a superfície das localidades, territorialidades e paisagens moçambicanas.
O texto miacoutiano será lido a
partir do horizonte teórico-metodológico de estudiosos como Homi Bhabha, Edward
Said, Boaventura de Sousa Santos, Mary Louise Pratt, Walter Mignolo, Julia
Kristeva, Tzvetan Todorov, Tania Carvalhal, Zilá Bernd, Maria Zilda Cury, Luis
Alberto Brandão e Marli Fantini. Com o auxílio dessa sintaxe crítica, espera-se
mapear os deslocamentos de personagens que saem de terras natais e se alojam na
comarca cultural moçambicana para traduzir as territorialidades internas de seu
imaginário híbrido. Inscrito na estrada de repactualizações embaladas pelo
mapeamento dos rizomas da voz que veleja nas águas do próprio e alheio, o
narrador-mediador de Terra Sonâmbula estampa o percurso de seres
nômades, errantes diaspóricos que (re)escalam as muralhas do tempo pedagógico
para registrar, performatizando, o encontro de vidas cujas saliências
identitárias escorregam pelas brechas do olhar que cartografa espaços ao Sul da
paisagem moçambicana — um estuário da poética da relação a partir do qual se
promove o colóquio disjuntivo de latitudes reposicionadas para além da viagem à
própria geografia, trançando múltiplos
(e)ventos da polifonia da diferença disseminada entre espaços dialógicos
cujas fricções e atritos com o outro chancelam a (topo)grafia do outro na
territorialidade literária miacoutiana.
o
O texto em movimento: as fronteiras
desbordantes do Atlas do Corpo e da Imaginação, de Gonçalo M. Tavares — Maria Elisa Rodrigues Moreira.
A
literatura do escritor angolano-português Gonçalo M. Tavaresse caracteriza por
uma multiplicidade e instabilidade formal: há textos em diversos gêneros, e
aqueles que dificilmente podem ser classificados em algum gênero, obras em que
leitura, escrita e reflexão mesclam-se de maneira inextricável, textos híbridos
que parecem se situar na fronteira entre a literatura e outras formas de
pensamento e conhecimento. Seu último livro, Atlas do Corpo e da Imaginação, incorpora em sua própria estrutura
esse movimento constante de passagem entre distintos espaços textuais:
constituindo-se como um texto de caráter prioritariamente ensaístico, usa suas
próprias margens para expandir essa perspectiva, fazendo-se acompanhar — ou
sendo ele o texto segundo, o que acompanha — de outras duas textualidades. A
primeira, uma série de imagens produzidas pelo coletivo Os Espacialistas,
constituído por arquitetos portugueses, as quais estabelecem com o texto
ensaístico um diálogo transversal. A segunda, textos narrativos em formato de
legendas, breves ou longas, que acompanham as imagens do coletivo. É esse amplo
conjunto textual, que possibilita entradas e saídas as mais diversas, que
compõe o Atlas em questão, obra sobre
a qual se pretende refletir nesta comunicação. Fazendo deste texto um espaço de
travessia, um mapa a ser percorrido por meio de trajetos que instituem
passagens entre a literatura e o mundo, a literatura e a ciência, a literatura
e a filosofia, os movimentos que o leitor pode traçar pelo texto tavariano se
desenham sobre fronteiras, avançando em direção aos mais diversos campos do
saber e necessitando, para manter sua força motriz, criar-se no interstício dos
discursos, numa região limite, num espaço de passagem em que a hibridez seja a
garantia das possibilidades de movimentação dos saberes, de instituição de
vizinhanças criativas para o conhecimento.
o
Sistemas e subsistemas: a literatura em
movimento pelo espaço — Aline Brustulin
Cecchin.
A literatura está em movimento através do espaço ao se
organizar em sistemas e subsistemas, os
quais consistem num conjunto de atividades inter-relacionadas que atuam nos
meios de produção, circulação e prestígio literário. Conforme Even-Zohar
(1990), além dos autores e de suas obras, as bibliotecas, as universidades, as
editoras, a produção de fortuna crítica, a conjuntura econômica e social, entre
outros elementos contribuem para a formação ou consolidação de uma paisagem
literária em determinado tempo e espaço. Logo, são de interesse deste estudo, que busca compreender a
literatura em suas condições sócio-espaciais, questões como o surgimento de
obras e escritores, os meios de edição, comercialização e recepção dos livros,
os espaços disponíveis para a publicação dos textos literários (periódicos,
revistas, concursos), a criação de políticas culturais e locais de formação de
autores e de seu público. O objetivo deste trabalho é verificar, assim, a consolidação de um sistema
literário regional na Serra Gaúcha, localizada no estado do Rio Grande do Sul,
Brasil, entre as décadas de 1950 e 1970. A análise realizada propõe, através da
pesquisa em periódicos da região, a investigação acerca da “infraestrutura
regional cultural e a interdependência de produção, distribuição e recepção da
literatura” (STÜBEN, 2013). Dessa forma,
interessa compreender como se articulam as manifestações que promovem o sistema
literário regional serrano. Para tanto, servirão como aporte teórico os estudos
sobre região cultural (HAESBAERT, 2010; BERUMEN, 2005), literatura regional
(POZENATO, 2003; JOACHIMSTHALER, 2009; ARENDT, 2012) e sistemas literários
(EVEN-ZOHAR, 1990; CANDIDO, 2009; STÜBEN, 2013).
o
No princípio era o verbo — Ana Lúcia Beck.
Em
1526, Albrecht Dürer pinta Os Quatro
Apóstolos. Na pintura a óleo sobre madeira, João e Pedro, Paulo e Marcos
são apresentados em tamanho natural junto a trechos do Novo Testamento. Sobre
posição entre dois espaços significantes, verbo e imagem estabelecem entre si
significativas relações e constituem dois textos de imprescindível leitura na
aproximação ao projeto estético do artista. Investigar tais relações nos
permite descortinar movimentos, deslocamentos e intersecções entre ver e ler.
Movimentos nas bordas do espaço, sobreposições e intersecções são valorizadas
na medida em que ampliam o esforço crítico-analítico. Na pintura de Dürer,
palavra e imagem estimulam trânsitos e desdobramentos entre o olhar e a leitura
em acordo com a classificação tipológica elaborada por Clüver (2006) e Hoek
(2006) na perspectiva dos Estudos Interartes. Segundo tais autores, palavra e
imagem estabelecem relações de transposição, justaposição, combinação e
união/fusão. Relações que procuraremos investigar em um olhar/leitura para Os Quatro Apóstolos considerada enquanto
obra inserida em um contexto mais amplo de produção intermidiática. A edição de
Apokalypsis cum figuris (1498-1511),
assim como a versão alemã de Der Ritter
vom Turn, de Geoffrey de La Tour-Landry (1493), entre outras, delimitam o
contexto da produção de Dürer em consonância com obras artísticas dos séculos
XX e XXI permitindo que se vislumbre a paradoxal riqueza poética no intervalo
entre as artes visuais e a literatura. No âmbito de tal contexto
intermidiático, inferimos o posicionamento crítico do mestre renascentista
cujas concepções sustentam a vocação pedagógica de sua criação.
Sessão 10 — sexta-feira,
10/10, 11h30 às 13h, sala 217 (Prédio de aulas).
o
Passado e presente (e futuro), locais da
memória em Traço de União, de João Maimona — Cláudia Mentz Martins.
João
Maimona (1955), poeta, ensaísta e crítico literário, nascido em Kibokolona,
Maquela do Zombo, na província do Uíge, em Angola, é considerado um dos nomes
mais importantes nomes da literatura angola contemporânea. Sobretudo em algumas
de suas primeiras obras como Trajectória
obliterada e Traço de união,
tem-se um eu lírico estarrecido mediante uma Angola destruída pela guerra civil
ocorrida no pós-independência. Este trabalho deterá o olhar sobre Traço de união (1987), em que se observa
um sujeito poético angustiado frente a uma realidade aflitiva. Ao mesmo tempo
em que procura compreender a (nova) Angola e nela buscar inserção, utiliza a
palavra para (re)inventar sua cultura e continuar a “angolar”. No seu presente,
o passado está na memória em movimento, em que busca não apenas lamentar as
tristezas dos fatos ocorridos, mas (re)construir a si e a seu país. Tais
aspectos encontram eco nas afirmativas de Bhabba (2007: 341), em O local da cultura: “o passado como
símbolo, mito, memória, história, o ancestral - mas um passado cujo valor
iterativo como signo reinscreve as “lições do passado” na própria textualidade
do presente, que determina tanto a identificação com a modernidade quanto o
questionamento desta.” Na obra em pauta de Maimona, o processo histórico e a
sociedade fragmentada exigem do poeta uma reflexão sobre sua realidade e seu
território. O passado (vívido na memória) e o presente constituem
temporalidades de ‘um agora’ a construir um futuro desconhecido. Nas palavras
de Rita Chaves (2005: 62), em Angola e
Moçambique: “o escritor de Angola tem o seu imaginário povoado por
dimensões do passado e, quase sempre, o regresso a esse tempo anterior conduz o
seu exercício de pensar a sua contemporaneidade e vislumbrar hipóteses para um
mundo que, por razões diversas e em variados níveis, lhe surge como um universo
à revelia.”
o
De mãe para filha: as vozes da memória em O
Que os Cegos Estão Sonhando — Amanda
Dal’Zotto Parizote.
A
representação da memória na literatura é uma área de estudos que tem crescido
no cenário acadêmico brasileiro.Amparado pelos Estudos Culturais, esse campo de
análise traz consigo o exame de conceitos com o tempo da memória e da
narração,memória individual e coletiva, memórias subterrâneas, entre outros. Um
gênero textual que permite a emergência de questões como as previamente citadas
é o diário.Popularizado no início do século XX, ele surge como uma modalidade
de escrita do eu em que, por consequência,
as memórias ganham espaço.Parece, assim, ser natural que os diários deem corpo
a narrativas testemunhais, dentre elas as nascidas em meio a eventos de
barbárie, como o Holocausto, por exemplo. Desse modo, este trabalho tem como
objetivo analisar a representação das memórias em O que os cegos estão sonhando(2012), de Noemi Jaffe, narrativa que
traz os diários da mãe dela,a sérvia judia Lili Jaffe. A obra é o registro dos onze
meses que Lili passou em Auschwitz e divide-se em duas partes: a primeira traz
o diário de Lili; a segunda, as análises de Noemi acerca das memórias da
mãe.Para a análise, são apresentadas reflexões sobre questões referentes a
sujeito de enunciação, pacto de leitura e voz autoral, apontando, também,
características que transgridem o gênero textual diário. No que concerne mais
especificamente à representação da memória, aborda-se, aqui, de que modo ela é
ficcionalizada e como ela é transmitida de mãe para filha, levando à análise do
papel de Noemi enquanto mediadora das memórias da mãe e, por conseguinte, da
constituição da pós-memória.
o
O resgate do passado e a organização dos
fatos em Infância de Graciliano Ramos — Michele Savaris.
O
intuito deste trabalho é realizar uma análise da obra Infância de
Graciliano Ramos observando as tentativas de resgate do passado por parte do
narrador-personagem, sob a ótica da memória e delinear sua aproximação com a
fotografia associada ao álbum que denota um espaço de registro e
organização. A recuperação do passado
está associada a imagens que sobreviveram à passagem do tempo devido ao fato de
que algo permaneceu no momento da experiência. Assim, o fato de o
narrador-personagem de Infância
recuperar suas experiências, só se tornou viável tendo em vista a permanência
dessas imagens e impressões. O caráter memorialístico está ancorado em eixos
como: a experiência (tudo o que o narrador viveu); a memória (a invocação a
essas experiências); e a escrita (um modo de organização de todas os fatos que
só vêm à tona por causa do mecanismo da memória). Ao longo da obra observa-se
que a recuperação dessas memórias apresentam-se como se fossem pequenas imagens
fotográficas, cujo contexto vai sendo revelado pouco a pouco. Os diversos
capítulos que compõem Infância fogem à ordem cronológica e podem ser
lidos de maneira independente. O modo como Graciliano Ramos constrói a
narrativa em questão, permite que a comparemos com um álbum fotográfico, cujas
imagens constituem-se em instantes desconectados, mas que podem, de algum modo,
(re)estabelecer a devidas conexões. Um álbum ao agrupar as fotografias, gera
coerência, lógica e unicidade e consegue ordenar tudo o que está fragmentado,
estabelecendo uma sequência que evita o caos (ROUILLÉ, 2009). Assim, a obra Infância
de Graciliano Ramos pode ser entendida como uma forma de invocação, recuperação
e organização do passado. Ainda que todas as experiências tenham ocorrido numa
ordem natural, recuperá-las implica a análise e a reorganização individual.
o
Autoria e memória em Sei Shônagon — Andrei dos Santos Cunha.
O Livro de Travesseiro,
de Sei
Shônagon (Japão, séculos X–XI), é um texto que pode ser lido como extremamente
moderno: é fragmentário, questiona e reconfigura gêneros e categorias, e se
baseia em uma persona/narradora central com uma presença dramática, individualista,
e definida como em permanente crise. São essas características que permitem,
por exemplo, que o livro seja retomado pelo cinema na pós-modernidade (Greenaway,
1996). Ao mesmo tempo, trata-se de um texto de caráter memorial, autobiográfico
e (ainda que não fique claro em uma primeira leitura) elegíaco, uma homenagem e
testemunho de uma época que já se encerrara no momento da escritura. É um texto
híbrido, que se encaixa com dificuldade em noções despersonalizadas de autor. Miner (1990) propõe que
se leve em conta a poética japonesa como base para uma interpretação da voz
autoral dessa época e lugar. A poética japonesa, baseada na lírica, estaria
mais próxima do “il n’y a pas de
hors-texte” de Derrida
(1967)
do que da “mort de l’auteur” de Barthes
(1968) e Foucault
(1969). O presente trabalho busca discutir os pressupostos que permitem ler O Livro de Travesseiro como, por um
lado, autoficção, e, por outro, como escrita de testemunho, e como as
diferenças entre a maneira de ler no Japão e no Ocidente têm consequências
importantes para a nossa concepção de autoria e verdade no texto literário.
Alguns trechos do livro são propostos como exemplos e discutidos a partir de
modalidades como narrativa, ficção e testemunho, de maneira a esclarecer como
esses conceitos podem se articular na leitura contemporânea.
Sessão 11 — sexta-feira,
10/10, 14h30 às 16h, sala 205 (Prédio de aulas).
o
O gaúcho em carne, tinta e bronze — Tiago Pedruzzi.
O trabalho tem como escopo uma análise
comparada da representação do gaúcho na literatura e a sua posterior
transposição aos monumentos da cidade de Porto Alegre. A representação do
gaúcho começa na literatura brasileira no século XIX e, assim, temos seu
ingresso no mundo urbano. No entanto, sua representação estatuária ocorre no Rio
Grande do Sul, mais particularmente na sua capital, Porto Alegre, a partir do
século XX, demonstrando certo descompasso entre a representação literária e a
representação laudatória ou memorialística emanada dos conjuntos escultóricos
da urbe. É sabido que existe farto material sobre a representação do gaúcho na
literatura sul-rio-grandense e também na literatura platina. Porém, pouco se
produziu a partir de um estudo interdisciplinar do diálogo, das semelhanças ou
das diferenças destas representações com outras artes como, por exemplo, a
estatuária. Nesse trabalho será feito um breve percurso descritivo das
principais representações do gaúcho em cidades importantes da comarca pampeana tais como Montevidéu e Buenos Aires. Dentre as
poucas representações escultóricas do gaúcho existentes na cidade de Porto
Alegre destaca-se O Laçador, obra de Antônio Caringi, vencedora de concurso
público para representar o Rio Grande do Sul na exposição do quarto centenário
de São Paulo, realizada no Parque Ibirapuera da referida cidade. A estátua
assumiu o papel de representante da memória coletiva dos sul-rio-grandenses,
rurais ou urbanos, sendo uma espécie de totem identitário frente a outras
representações menos populares ou mais urbanas do indivíduo nascido no Rio
Grande do Sul. Para finalizar, analisaremos que aspectos representativos do
gaúcho a obra em bronze compartilha com as representações literárias deste tipo
social e histórico.
o
A Margem Imóvel do Rio: espaço
e identidade — Izandra Alves e Marcelo Lima Calixto.
O deslocamento
territorial dos povos marca transformações importantes tanto em questões
geográficas quanto culturais. Nesse sentido, é preciso ver e analisar o mundo
através das relações que as pessoas — mesmo que sejam oriundas de um espaço
diferente — estabelecem com a natureza, com o meio ambiente, além dos
sentimentos que as mesmas mantêm sobre o espaço e lugar habitados. O espaço
influencia diretamente a vida das pessoas, deixam marcas, impressões, opiniões.
Conforme vai se modificando, da mesma forma, mudam o modo de agir daqueles que
ali estão. Também os que trocam constantemente de espaços, ou seja, os
viajantes, os estrangeiros, que se deparam com o novo, com o diferente, são
desafiados a adequarem-se aos novos lugares, ou então, são encorajados a modificá-los.
Tudo isso possibilita a reflexão acerca das relações sociais presentes nos
ambientes em que se evidenciam relações culturais, sentimentais, experiências
diversas, percepções, etc. Assim, discutir territorialidade possibilita grandes
contribuições para que se compreenda o espaço como espaço de vivências, pois
sendo ele habitado por filhos da terra e também por estrangeiros possibilita os
múltiplos olhares, as diferentes percepções sobre o mesmo lugar, o que converge
para o enriquecimento cultural. Como forma de discutir esse deslocamento do
estrangeiro de seu lugar de origem para outro continente com o espírito
desbravador e aventureiro, pretende-se analisar a obra A margem imóvel do rio,
do gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil. Dessa forma, muito mais do que por em
cheque questões territoriais, há aspectos culturais que merecem ser apontados,
elementos esses muito importantes na construção da identidade tanto do
estrangeiro quanto do nativo.
o
Pensando a literatura como lugar de
memória: um estudo de caso do romance Satolep — Marlise Buchweitz Klug e Tatiana
Bolívar Lebedeff.
O
romance Satolep, do escritor
pelotense Vitor Ramil, traz como personagem da narrativa a cidade de Pelotas,
além de ser este o lugar no qual transcorrem as andanças do personagem Selbor.
Num misto de ficção e fatos reais, consegue-se perceber a história da cidade em
determinada época — o início do século XX. A partir de uma análise da narrativa
ficcional integrada pelas fotografias de lugares da cidade de Pelotas e pelos
relatos referentes às fotografias escritos por diferentes narradores
ficcionais, busca-se comprovar teoricamente que este romance é um lugar de
memória — da memória coletiva dos habitantes e da memória individual do
escritor e do narrador, e que coopera para o registro de dados que podem estar
fadados ao esquecimento. A leitura de análises críticas de diferentes campos do
saber, tais como a História, a Antropologia, a Arquitetura e o Urbanismo, a
Memória e o Patrimônio, a Literatura, através de autores destas ciências
tornará possível o estudo de caso em questão.Em relação a esse intento, pode-se
dizer que se constituirão objetos de investigação da pesquisa algumas questões
que são: a cidade no presente e no passado e sua relação com o indivíduo, a
história da cidade, a memória, o espaço e o contexto da cultura, a troca de
significação no tempo e no espaço da paisagem urbana, a configuração de cidade
feita pelo escritor na literatura a partir de um lugar real, tudo isso para
resolver a questão inicial que este trabalho propõe analisar: a Literatura é
lugar de Memória Social?
o
O espaço e a memória: a ressignificação da
subjetividade — Giele Rocha Dorneles.
É
pela memória que o sujeito compreende a história, e o espaço da memória e sua
compreensão configuram uma busca do eu e do significado do vivido. A memória se
constitui de tempo e o tempo se constitui do espaço, pois é pela elaboração dos
lugares que ela se estabelece. A memória dos lugares, tanto pelo aspecto da
espacialidade (places) e do espaço geométrico (sítios), conforme Ricoeur
(2012), entrecruzam o íntimo do sujeito e medeiam a lembrança. Nesse aspecto,
só é possível elaborar a memória a partir de um tempo (em relação ao eu) do
agora pela elaboração do espaço constituído, pois de acordo com Ricoeur (2012,
p. 59) “o corpo constitui, desse ponto de vista, o lugar primordial, o aqui em
relação ao qual todos os outros lugares são lá”. A errância que se estrutura
desse entrevir emocional compõe a essência do sentimento de deslocamento, a
partir do qual a memória busca ressignificar a sua história. Distanciado pela memória o eu tem a
liberdade de analisar o vivido e dele fazer observações mais ou menos
objetivas. Nesse contexto de análise, as obras “Fora do lugar: memórias”, de
Edward Said, e “As pequenas memórias”, de Jose Saramago, entre outras, são
bastante produtivas por estabelecerem em suas narrativas a percepção do eu em
relação a um espaço-tempo ulterior ao sujeito, que ao se fazerem ilustradas no
espaço das letras, configuram, entrelaçam e deslizam as questões de identidade
e diferença pelo sentimento de “não-pertença” e busca de completude. Escrever a
memória, registrar a sua história é um modo de elaborar essa incomunicabilidade
entre o sujeito do agora e o sujeito da memória. O espaço dessa relação formula
o próprio texto em suas páginas mais íntimas, e permite ao Outro compor o
intrínseco papel que o passado tem na elaboração da subjetividade.
Sessão 12 — sexta-feira,
10/10, 14h30 às 16h, sala 217 (Prédio de aulas).
o
Literatura e espaço: um estudo sobre a
representação da paisagem na poesia do Rio Grande do Sul — Antônio Carlos Mousquer.
O
presente trabalho é parte do resultado de uma pesquisa de Pós-Doutoramento
desenvolvida durante o ano de 2013, junto ao centro de pesquisas Écritures de la modernité da Université
Sorbonne Nouvelle — Paris 3, sob supervisão do professor Michel Collot. A investigação constituiu-se de um estudo
teórico acerca da poesia tendo como fundamento principal as ideias
desenvolvidas pelo referido professor sobre as relações entre a literatura e a
paisagem. A partir da compreensão do poema como espaço de abertura e opondo-se
às teorias textualistas, Collot busca, na estética da recepção e na
fenomenologia de Husserl e de Merleau-Ponty, a noção de horizonte, compreendido
como a estrutura que rege a constituição do sujeito, a sua relação com o mundo
e a prática da linguagem. Vem daí a ideia de paisagem, uma construção cultural
imagética sobre o espaço e uma constatação recorrente no conjunto de poemas
contemporâneos franceses estudados pelo teórico. De forma homóloga, a análise
da produção poética do Rio Grande do Sul demonstra que, de forma frequente, o
tema da paisagem aparece na sua produção poética. O estudo aqui proposto teve
como objeto de análise a poesia concebida, a partir da década de sessenta do
século passado, por um grupo de poetas na região sul-rio-grandense de
colonização italiana, conhecido como Grupo Matrícula.
Do Grupo faziam parte, Oscar Bertholdo, José Clemente Pozenato, Jayme Paviani e
Ary Trentin. O estudo tomou o conjunto da obra dos referidos poetas para
refletir sobre a visualidade dos espaços físicos e imaginários no poema e para
verificar como a transformação dos dados vivenciais em matéria poética é uma
experiência representativa da criação lírica, conforme aponta Collot, e um dado
relevante para o levantamento de questões ligadas à constituição do sujeito e à
prática da linguagem.
o
A diluição das barreiras interartes: uma
proposta educacional e o relato da experiência do Grupo Cancioneiros — Nathalia Pinto e Vinicius Rodrigues.
O
povo nordestino sempre foi essencialmente migrante: o flagelo da seca e o
consequente abandono legado à região fizeram do Nordeste um espaço acostumado a
partidas e regressos. A partir dos anos de 1940, com a massiva industrialização
do Sudeste, levas de nordestinos, mão de obra barata e não especializada,
passam a sonhar com novas oportunidades, motivados pela urgente demanda de
força de trabalho. O seu drama tem espaço na literatura e canção brasileiras há
muito tempo, é longa e sólida a tradição artística que retrata e reflete esse
povo e cultura. O texto cancional popular, reconhecido como altamente capaz de
comentar o espaço-tempo do país (parafraseando Arthur Nestrovski) tem se
dedicado a revelar ao Brasil, tanto quanto o texto literário, a realidade
socioeconômica da região. A trilogia do escritor baiano Antônio Torres, formada
pelas obras Essa terra, O cachorro e o lobo e Pelo fundo da agulha, através da
trajetória de Totonhim, um migrante que sai do interior da Bahia rumo a São Paulo,
narra os diferentes momentos da migração: a idealização do espaço urbano, a
decisão de partir, o preconceito sobre os nordestinos nas grandes cidades e,
por fim, o sentimento de estraneidade com qual ele convive na metrópole. As
canções de Luiz Gonzaga, o dito Rei do Baião, permeiam toda a obra de Torres em
citações, pois é com elas que o escritor ilustra a saga de suas personagens.
Gonzaga é o artista que melhor usou sua sonoridade (voz, letras, melodia e
recursos sonoros que remetem ao espaço Nordeste) e persona para falar ao migrante instalado na metrópole,
representando, assim, um elo afetivo e identitário direto com sua terra.
Através de uma abordagem intertextual, o trabalho pretende mostrar como
literatura e canção se aliam para reatualizar o tema da migração na ficção
contemporânea.
o
Hilda Hilst: um salto do objeto literário à
teatralidade das palavras — Camila
Alexandrini.
Maurice
Blanchot (2005, p.300) afirma que “a experiência da literatura é ela mesma
experimento da dispersão, é a aproximação do que escapa à unidade, experiência
do que é sem entendimento, sem acordo, sem direito — o erro e o fora, o
inacessível e o irregular”. Nesse sentido, as linhas dos textos de Hilda Hilst,
nesta análise, se disseminam à medida que a obra é a espera da obra, espaço
movediço no qual se verifica a pluralidade do objeto literário, bem como dos
sentidos dele advindos e das relações intersubjetivas que ali se espacializam.
Sendo assim, a escritura não é encaminhada a uma totalidade, mas ao
deslocamento, à teatralidade das palavras em que cada leitor atua a partir do
texto literário. Como mesmo aponta Blanchot (2005, p.305), “sabemos que só
escrevemos quando o salto foi dado, mas para dá-lo é preciso escrever, escrever
sem fim, escrever a partir do infinito”. Correm-se diversos riscos em dar o
salto ou em provocar o salto no outro — Hilst, aliás, bem reconhecia tais
riscos e não os evitava. O salto não depende de sua altura, o que ele precisa é
deixar de ser e, assim, ser o que ainda não é. Dito de outra maneira, por meio
do fortuito diálogo entre as artes e a literatura na contemporaneidade,
busca-se compreender a palavra na obra de Hilda Hilst revestida de uma
teatralidade, através da qual seja possível revisitar e, em certa medida,
desconstruir saberes agenciados pela teoria da literatura, isto é, provocar
deslocamentos no entendimento do literário em sua comunicação com outras
linguagens. Estabelecida em um espaço limiar, a palavra em Hilst se encaminha a
demarcações fluídas do território da literatura, direcionando-se a espaços
híbridos de estudo e crítica, acionados pelo leitor que deseja saltar da
página, saltar a página, saltar-se.
o
Um ilustrador da vida moderna na periferia
da literatura — Vinicius da Silva
Rodrigues.
Will
Eisner é considerado um dos mais significativos autores das histórias em
quadrinhos. Com a obra “Um Contrato com
Deus” & Outras Histórias de Cortiço, Eisner tornou-se um dos
responsáveis por renovar as possibilidades de se contar histórias através dos
quadrinhos,popularizando o termo graphic
novel — supostamente, um novo formato, mais próximo da literatura. A obra,
a primeira de uma trilogia que viria a ser finalizada com os livros A Força da Vida e Avenida Dropsie, traz como proposta conceitual a visão acerca da
vida na periferia da grande cidade, assim como suas constantes transformações —
que irão modificar a paisagem urbana, na mesma medida em que reconstroem as
relações entre os indivíduos (e eles próprios). Mais do que um elemento dentro
da estrutura narrativa, o espaço adquire feição identitária na obra deste
narrador gráfico e é um elemento fundamental em sua poética, não só nas obras
supracitadas, mas também em outras, como Nova
York — A Vida na Grande Cidade, onde o tratamento evidencia igualmente uma
visão subjetiva sobre o espaço e seus elementos mais característicos. No
diálogo entre a chamada “Trilogia do Contrato
com Deus” e A Vida na Grande Cidade,
entretanto, há tensões e confrontos, seja quanto ao imaginário urbano que se
projeta sobre a mesma metrópole, seja quanto às possibilidades comunicativas da
linguagem artística em questão. Considerando tal ponto de partida, este
trabalho prima pela análise do projeto estético de Will Eisner contido nessas
obras e observa em que medida o olhar do autor sobre os personagens e seu
espaço urbano demonstra singularidades. Atentando, igualmente, para os aspectos
iconográficos, procura-se discutir o conceito de graphic novel, hoje amplamente divulgado, mas que teria em Eisner
um precursor, e que, nesse diálogo terminológico com o literário, intensifica
outras tensões.